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O que o fracasso do Plano Cruzado e os erros em Gestão de Produto têm em comum?

3 minutos

Em 1986, o Brasil apostou tudo em um plano ambicioso para conter a inflação: uma nova moeda (o cruzado), congelamento de preços e uma promessa ousada de estabilização econômica.

A euforia foi imediata. Por um breve período, parecia que o país finalmente havia vencido a hiperinflação, mas o otimismo durou pouco. Em poucos meses, a inflação voltou com força — e o plano colapsou.

Mas por que o Plano Cruzado fracassou?

De forma simplificada, o governo brasileiro não fez um diagnóstico claro e preciso da dinâmica inflacionária. Francisco Lopes, um dos idealizadores do plano, reconheceu depois que o governo subestimou a complexidade da inflação inercial e superestimou o poder de um congelamento de preços sem mecanismos de transição (LOPES, 1989).

Havia também disputas políticas internas entre os ministérios que dificultaram a construção de um plano mais sustentável. Luiz Carlos Bresser-Pereira, participante ativo do governo da época, foi um dos primeiros a destacar que o plano carecia de sustentação fiscal e de mecanismos de ajuste mais flexíveis.

O resultado?

Um alívio passageiro, seguido de um retorno ainda mais desorganizado da inflação, culminando no fracasso do plano em menos de um ano.

E o que isso tem a ver com Gestão de Produtos?

Mais do que parece.

Quantas vezes, em Gestão de Produto, nos sentimos pressionados a entregar logo alguma solução? Quantas vezes pulamos a fase de diagnóstico? Quantas vezes vamos direto para o desenvolvimento, sem entender a fundo a dor do usuário, o cenário de uso, ou até se o problema existe mesmo?

Movidos pela urgência, entregamos rápido — e mal.

E aí o que lançamos não resolve a dor real, não gera valor, e pode até gerar mais confusão do que solução.

Tomemos como exemplo a nova Tela de Consulta de Títulos que criamos para o Sienge. Acreditávamos que o que os usuários mais valorizavam era uma tela completa, repleta de filtros e com o máximo de informações disponíveis. Ainda que tenhamos validado algumas dessas hipóteses — e parte delas até tenham sido confirmadas, no lançamento percebemos que a realidade era diferente: o engajamento foi abaixo do esperado e, durante o piloto, 60% dos clientes ainda preferiam utilizar a tela antiga.

Diante desse cenário, partimos para a escuta ativa: coletamos feedbacks, analisamos os principais pontos de atrito e mergulhamos mais fundo no comportamento dos usuários. Descobrimos, então, que a principal dor não estava na falta de informação, mas sim no excesso dela. Para uma parte dos clientes, a nova tela parecia carregada demais e dificultava a navegação. Por outro lado, havia também um grupo que valorizava justamente o acesso amplo e detalhado aos dados.

Ou seja: o que parecia um problema de funcionalidade era, na verdade, uma questão de flexibilidade.

A solução só surgiu a partir desse entendimento mais profundo: criamos duas versões complementares — uma tela sintética, mais leve e objetiva, e outra com análise mais detalhada dos resultados. Assim, conseguimos atender perfis diferentes de usuários, respeitando seus modos de operar. A versão sintética passará por piloto nos próximos meses.

Vejamos abaixo a diferença entre as soluções que foram propostas:

Versão Sintética

Versão Analítica

O que diz a teoria?

Essa realidade já foi amplamente discutida em boas práticas de Produto, como as defendidas por Marty Cagan em Inspired (2017), que reforça: os melhores produtos nascem de um entendimento profundo dos problemas dos usuários — e não da pressa por entregar algo.

Melissa Perri também destaca em Escaping the Build Trap (2018) que times que não sabem diagnosticar e priorizar problemas reais acabam caindo na armadilha de “entregar por entregar”, sem impacto.

Diagnóstico importa — e muito.

Entender o contexto, investigar as causas, escutar de verdade as dores: isso faz toda a diferença. No Plano Cruzado, a ausência de um diagnóstico sólido comprometeu toda a estratégia. Em Gestão de Produto, acontece o mesmo quando deixamos de lado a descoberta e saltamos direto para a entrega.

Referências

Bresser-Pereira, Luiz Carlos. A crise do Estado. Nobel, 1992.

Cagan, Marty. Inspired: How to Create Tech Products Customers Love. Wiley, 2017.

Lopes, Francisco. O choque heterodoxo do Plano Cruzado e a teoria da inflação inercial. Revista de Economia Política, 1989.

Perri, Melissa. Escaping the Build Trap: How Effective Product Management Creates Real Value. O’Reilly Media, 2018.

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